Artigo publicado no SEFE 11 (Setembro de 2025)

RESUMO: A crescente demanda por soluções ágeis e seguras em obras geotécnicas tem impulsionado o uso de tirantes de cordoalhas fabricados industrialmente, especialmente em escavações e piscinões, superando os desafios logísticos e operacionais da montagem in loco, onde espaço e prazos são limitados. A produção controlada permite automação, garantindo precisão e homogeneidade. O processo inclui desbobinagem, cortes mecanizados, aplicação de cera anticorrosiva e encapsulamento com tubo de PEBD, essencial para a durabilidade conforme a norma brasileira de tirantes ancorados NBR 5629 (ABNT, 2018). O ambiente industrial elimina interferências típicas dos canteiros, como clima e contaminantes. A substituição do PVC por PEAD garante maior resistência e flexibilidade. Dispositivos como válvulas e batentes asseguram o recobrimento mínimo da calda de cimento, promovendo aderência dos tirantes ao solo. As etapas automatizadas e auxiliares minimizam riscos de desalinhamento dos cabos e garantem estabilidade. Em estudo de caso em um piscinão de São Paulo, houve redução de prazos e otimização de recursos no canteiro, com manutenção dos padrões de segurança. Assim, a montagem industrial dos tirantes melhora o desempenho e segurança dos projetos, promovendo eficiência e sustentabilidade.

1. Introdução

Escavações profundas em áreas urbanas impõem desafios à engenharia geotécnica, exigindo soluções que aliem desempenho, agilidade e qualidade. No piscinão subterrâneo ao lado do estádio Morumbis, na cidade de São Paulo, o uso de tirantes de cordoalha como contenção provisória mostrou-se estratégico. A pré-montagem em fábrica representa um avanço, viabilizando mais de 1.500 unidades com controle dimensional, rastreabilidade e menor falha. A execução é ágil, com ganhos logísticos e menos demanda por mão de obra.

          Destaca-se a possibilidade de fabricar tirantes longos e padronizados — no caso do Morumbis, com até 37,5 metros. O ambiente controlado melhora encapsulamento, reduz contaminações e favorece ergonomia e segurança. O sistema atende aos requisitos estabelecidos pela NBR 5629 (ABNT, 2018), norma brasileira para tirantes ancorados ativos, que, embora menos detalhada que a EN 1537 (CEN, 2013), oferece parâmetros sólidos.

          Sua adoção exige logística organizada, planejamento e equipe treinada. Os benefícios compensam: previsibilidade, controle técnico, produtividade e alinhamento com a construção enxuta. A produção fora do canteiro também reduz perdas, resíduos, emissões e uso de recursos, promovendo sustentabilidade em obras urbanas.

          A seguir, apresenta-se uma tabela comparativa entre os métodos tradicional e industrializado de montagem de tirantes, com agrupamento de critérios para otimizar a apresentação dos principais aspectos técnicos, operacionais, ambientais e  financeiros:

Tabela 1. Comparação Tirante Montado Industrialmente e Tirante Montado in Loco
 (Fonte: Autores, 2025).

2. Ambiente industrial – automação e padronização de processos

A fabricação industrial automatiza processos, garantindo qualidade e uniformidade difíceis de obter em canteiros de obras. Equipamentos precisos desbobinam e cortam as cordoalhas com alta precisão, permitindo ao operador definir parâmetros. A cordoalha é encapsulada e protegida com cera anticorrosiva e tubo de PEBD (polietileno de baixa densidade).

Figura 1. Máquina automatizada utilizada para desbobinar as cordoalhas, cortar os cabos conforme projeto e preparar os trechos livre, ancorado e externo do tirante com precisão dimensional.

Após esse processo, a cordoalha segue para a bancada de montagem, onde é finalizada, assegurando qualidade e conformidade com o projeto.

Figura 2(a). Enclausuramento da bobina de cordoalha para proteção contra contaminação.
Figura 2(b). Separação temporária dos fios da cordoalha para facilitar a montagem e inspeção.

A  principal vantagem do ambiente industrial controlado é a gestão rigorosa de temperatura, umidade e pressão. Isso elimina interferências climáticas — sol, chuva, vento — e condições adversas típicas do canteiro, como poeira e movimentação de equipamentos, que comprometem precisão, resistência e durabilidade. A produção industrial assegura padronização e conformidade técnica com a normativa da NBR 5629 (ABNT, 2018.)

3. Adaptações para a montagem do tirante em fábrica

Para viabilizar a montagem industrial e entrega no canteiro, foram feitas adaptações em componentes importantes. Os tubos rígidos de PVC foram substituídos por tubos flexíveis de PEAD (Polietileno de Alta Densidade), que são resistentes e inquebráveis. O PEAD permite produção contínua de até 200 m, eliminando emendas e facilitando transporte e manuseio.

Figura 3. Tubos de PEAD (polietileno de alta densidade) utilizados como alternativa aos tubos rígidos de PVC, proporcionando maior flexibilidade, resistência e facilidade de transporte.

Em canteiros, válvulas tipo manchete são fixadas com arame recozido para evitar deslocamentos durante instalação e injeção, mas a dispersão descontrolada da calda pode comprometer o bulbo de ancoragem.

Figura 4. Configuração tradicional de montagem de válvulas manchete em campo, com fixação por arame recozido, sujeita a deslocamentos e dispersão descontrolada da calda.

Nos tirantes montados em fábrica, batentes foram adicionados para fixar e orientar as válvulas, garantindo estabilidade e melhor dispersão radial da calda por direcionamento ortogonal.

Figura 05. (a) Válvula manchete adaptada com batentes direcionais.
Figura 5. (b) Ilustração da dispersão radial mais eficiente da calda de cimento proporcionada pelo uso dos batentes na montagem industrial.

4. Conformidades com a norma NBR 5629:2018

A produção de tirantes exige controle rigoroso e conformidade com os critérios técnicos definidos pela ABNT (2018), que normatiza o projeto e a execução de tirantes ancorados no terreno.. O Anexo C trata da proteção anticorrosiva, detalhando níveis de proteção (NPC) e o uso de barreiras como graxas e bainhas de PEBD. Melhorias nos processos e acessórios garantem proteção multicamada eficaz, da fabricação à instalação.

Figura 06. Tipos de sistemas de proteção anticorrosiva definidos pela NBR 5629 (ABNT, 2018), segundo a NBR 5629, conforme vida útil esperada e ambiente de instalação do tirante (solo ou rocha). (Fonte: NBR 5629, Anexo C).

A norma exige recobrimento mínimo de 10 mm no trecho ancorado. Para isso, foi desenvolvido um espaçador que assegura a posição concêntrica da armadura e recobrimento uniforme.

Figura 07. Modelo de espaçador plástico desenvolvido para manter a posição concêntrica da armadura e garantir o recobrimento mínimo de calda, em conformidade com a NBR 5629 (ABNT, 2018).

A NBR permite tubos poliméricos com espessura mínima de 1 mm, como PE, PVC ou poliéster. No processo industrial, um tubo de PEBD foi criado, combinando flexibilidade, resistência ao atrito e estabilidade dimensional, ideal para sistemas automatizados, conforme especificações da NBR 5629 (ABNT, 2018).

          Para garantir estanqueidade na transição entre trecho livre e ancorado, foram adotados dispositivos técnicos que proporcionam vedação resistente e aderência eficaz, superando técnicas tradicionais e assegurando conformidade normativa.

Figura 08. Dispositivo técnico para vedação entre o trecho livre e o trecho ancorado, assegurando estanqueidade e aderência adequada em conformidade com os critérios normativos.

5. Fluxograma do processo de montagem

A implantação do processo industrial requer planejamento técnico e operacional. O fluxograma dos tirantes provisórios organiza as etapas de montagem segundo a lógica produtiva e layout fabril, otimizando ciclos, logística e qualidade, conforme princípios do Lean Manufacturing.

Figura 9. Fluxograma técnico representando as etapas sequenciais de montagem industrial dos tirantes de cordoalha, conforme layout fabril e lógica de produção enxuta

O processo divide-se em dois módulos integrados: Módulo 1 – Preparação e Encapsulamento das Cordoalhas: a máquina automatizada corta as cordoalhas conforme projeto, aplica proteção anticorrosiva (graxa ou cera) e encapsula com PEBD, de acordo com os critérios da NBR 5629 (ABNT, 2018), especialmente quanto à proteção anticorrosiva e ao encapsulamento.. Módulo 2 – Conformação e Montagem do Tubo de Injeção com Componentes Funcionais: paralelamente, ocorre o corte e furação do tubo de PEAD e a instalação de válvulas manchete, batentes direcionais e espaçadores em bancada auxiliar.

Figura 10. (a) Instalação de válvulas, batentes e espaçadores no tubo de injeção.
Figura 10. (b) Bancada auxiliar utilizada para montagem paralela e otimização do processo fabril.

Integração Estrutural e Alinhamento Geométrico do Conjunto: a união das cordoalhas encapsuladas ao tubo de injeção forma o tirante. É essencial manter o alinhamento axial para evitar torções, com inspeções visuais e medições dimensionais segundo critérios técnicos.

Figura 11 – Montagem do trecho ancorado com alinhamento geométrico e inspeções dimensionais para assegurar desempenho técnico e aderência eficaz ao solo na instalação.

Após essa etapa, procede-se ao encapsulamento e alinhamento do trecho livre, etapa fundamental para a qualidade do tirante.

Figura 12 – Fase de encapsulamento do trecho livre com tubo de PEBD e ajuste do alinhamento axial, garantindo funcionalidade e proteção anticorrosiva.

Finalização, Identificação Técnica e Logística de Expedição: após montagem, o tirante é enrolado conforme padrão logístico, recebe etiquetas técnicas com QR Code e é armazenado em paletes, conforme NBR 15575 (ABNT, 2013) e ISO 9001 (ISO, 2015).

Figura 13 – Enrolamento automatizado do tirante finalizado para facilitar o transporte; (b) Produto acondicionado em palhetes padrão conforme 15575 (ABNT, 2013) e ISO 9001 (ISO, 2015).

6. Case de utilização de tirante montado em fábrica em obra do Piscinão

A contenção provisória no piscinão entre Av. Giovanni Gronchi e Corgie Assad Abdalla, próxima ao estádio do Morumbis, na cidade de São Paulo,  integra projeto de drenagem e controle de alagamentos. Para garantir a estabilidade da escavação até a contenção definitiva, empregaram-se tirantes de cordoalha pré-montados em fábrica. O sistema abrange mais de 1.500 tirantes de 21 a 37,5 m, com 10 a 12 cabos de ½”, dimensionados para esforços temporários, garantindo rapidez e segurança na execução.

            As bobinas compactas (~1,5 m de diâmetro) otimizam armazenamento e transporte em áreas urbanas restritas. A movimentação via equipamentos leves reduz uso de maquinário pesado, acelerando a instalação. No canteiro, os tirantes são desenrolados e inseridos nos furos perfurados. A injeção de cimento e protensão subsequentes asseguram fixação eficiente e reduzem significativamente o tempo comparado ao método tradicional.

Figura 14. Execução da injeção da calda de cimento na primeira linha de tirantes instalados em obra urbana, garantindo aderência ao solo e formação do bulbo de ancoragem.

A pré-montagem minimiza mão de obra especializada, simplifica montagem, reduz custos operacionais e otimiza o cronograma — fator crítico em obras urbanas.

Figura 15. Etapa de inserção dos tirantes pré-montados nos furos da contenção provisória, com ganho logístico e redução do tempo de obra.

Geotécnica e estruturalmente, os tirantes controlam pressões horizontais e fixam blocos de ancoragem, garantindo estabilidade até a contenção final. Os cabos suportam tração e distribuem cargas via injeção precisa.

          O obturador duplo tipo mola assegura injeção eficaz, evita desperdícios e garante a formação adequada do bulbo, elevando a durabilidade do sistema. A industrialização reduz perdas e resíduos, promovendo sustentabilidade — essencial em áreas sensíveis como o Morumbis.

Figura 16. Obturador duplo com mola, utilizado para promover a injeção controlada da calda de cimento, garantindo formação eficiente do bulbo e minimização de perdas

6. Conclusão

Tirantes de cordoalha pré-montados em fábrica representam solução eficaz para obras provisórias complexas, onde tempo, espaço e mão de obra são restritos. A industrialização supera métodos convencionais em eficiência e desempenho técnico.

          A produção em ambiente controlado assegura padronização, elimina variáveis climáticas e atende rigorosamente às diretrizes técnicas da NBR 5629 (ABNT, 2018) para tirantes ancorados no terreno., garantindo qualidade e precisão na montagem.

          Estruturalmente, os tirantes apresentam elevada resistência, melhor desempenho na protensão e injeção, com distribuição uniforme de tensões e menor risco de falhas. Logística otimizada reduz prazos, evita montagem em campo e permite uso de equipamentos menores. Bobinas compactas facilitam transporte e requerem menos espaço para estocagem.

          Além de cortar custos diretos e indiretos, reduzem a demanda por mão de obra especializada, proporcionando controle orçamentário. No piscinão Morumbis, onde o tempo era fator crítico, os tirantes pré-montados garantiram agilidade, segurança e eficiência.

Referências bibliográficas

Associação Brasileira De Normas Técnicas (2018). NBR 5629 – Tirantes ancorados no terreno – Projeto e execução. Rio de Janeiro.

Associação Brasileira De Normas Técnicas (2013). NBR 15575 – Edificações habitacionais – Desempenho. Rio de Janeiro.

International Organization For Standardization (2015). ISO 9001– Quality management systems – Requirements. Geneva.

European Committee For Standardization (2013). EN 1537 – Execution of special geotechnical works – Ground anchors. Brussels.

Post-Tensioning Institute (2014). PTI DC35.1-14 – Recommendations for prestressed rock and soil anchors – Corrosion protection. Phoenix:

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